domingo, 1 de junho de 2014

Os fusos horários de Criciúma...

Sou um obcecado por relógios de rua. Sempre pensei que quem gosta de rádio, relógio de pulso e tela de celular deveria ter esta mesma obsessão. Acontece que o relógio de rua é como um guia, um binóculo no ponto turístico, uma bóia no mar. Sempre pensei assim. Logo, sou crítico dos relógios de rua desajustados. Na geração tecnologia que vivemos, não me conformo em saber de relógios cuja hora não é britânica, muito menos pontual. Claro que devem haver relógios errados no primeiro mundo - se bem que passei um mês na Alemanha e Holanda em 2005, enviado da Rádio Guaíba, e não vi um errado por lá, mas vamos que tenha -, mas aqui a gente abusa. É tamanho o desorientar que estabeleci, a partir da experiência de um "sujeito", fusos horários para a minha linda e simpática Criciúma. Vamos a eles...

Vamos combinar que a Próspera é zona norte de Criciúma. Combinado?! Bem, o sujeito vem de Içara, entra em Criciúma pela Próspera, e avança pela Avenida Centenário. É madrugada ainda. Ele alcança a famosa esquina do Banco Real (Santander, para os mais atualizados). Ali, prostrado no semáforo, enquanto aguarda a transição do vermelho para o verde, o paciente motorista consulta as horas no relógio de rua colocado no canteiro, pouco antes do Terminal Central, muito perto da Assembleia de Deus e o majestoso relógio de ponteiros - costumeiramente pontual -, ali existente. Digamos que o sujeito em questão não gosta de olhar horas em relógios de ponteiros, muitos não gostam. Ele espia o digital e vê 4h49min. Mas Brasília indica, naquele instante, 4h47min. Eu consultei. Sou testemunha. Eis o primeiro fuso horário, sutil, compreensível, apenas dois minutos de adiantamento.

E bastou abrir o sinal, engatar a primeira marcha, acelerar, passar para a segunda e seguir o curso que, vagando na vizinhança do terminal, um furtivo espiar lá para dentro - está tudo vazio, embora as luzes acesas, é madrugada ainda e a cidade não acordou, e é domingo também... -, mas o relógio lá de dentro, gigantesco, descomunal, testemunha das chegadas e partidas, é pontual, 4h47min. Confirma-se o equívoco do anterior e escancara o abuso do posterior. O sujeito chegou defronte ao Lapagesse. Parou no sinal vermelho. Espiou o segundo relógio, aquele da esquina da Centenário com a Joaquim Nabuco. Este sinaliza 4h18min. Oras, são 4h49min! Aí, o fuso horário é negativo, 31 minutos a dever em relação a Brasília. Fuso horário digno de uma Guiana Francesa...

A viagem continua. O GPS do carro avisa que, dali a poucos metros, na pista oposta à do Hotel Crisul, estará a Estação Rodoviária. De fato. Luzes acesas, movimento mínimo, um ônibus estacionado no aguardo dos seus escassos passageiros. É inverno e faz frio. Há um relógio digital no canteiro a repartir a avenida. Bem, que horas seriam neste, indaga-se o inquieto visitante... São 4h55min. Mas em Brasília, 4h50min! Logo, cinco minutos adiantado. O (con)fuso horário criciumense volta a adiantar-se em relação à Capital Federal. Bem, ao menos os passageiros que pensam estar atrasados em relação aos horários de partidos dos ônibus que dali saem ganharão cinco minutos para recompor o fôlego antes de embarcar...

Prossegue a jornada. O motorista da madrugada passa o Angeloni, segue na pista oposta ao conhecidíssimo Edifício Madri, espia um pouco antes o terreno baldio da esquina defronte à Rodoviária sem imaginar que ali existiu o bombante Rota Beer, que em seus bons tempos embalou a CriciNight. Hoje, não passa de ruínas e estacionamento grátis em dias de semana... Mas o sujeito nada sabe disso. Apenas dirige e olha as horas. E anota tudo... Aí está o cruzamento com a Henrique Lage. Silencioso. A bruma da madrugada só é quebrada por alguns jovens, embalando a ressaca que dormitará o domingo, entornam últimos goles em uma loja de conveniências por ali existente. Há outro relógio no canteiro. Reduz a velocidade o sujeito, o sinal é amarelo piscante, tempo suficiente para perceber outro fuso: este marca 4h58min. É... Brasília acusa 4h51min, dona Dilma certamente dorme distante demais para se preocupar com um simples relógio de rua desajustado. Este fato não tremerá a República, certamente, mas incomoda o visitante noturno. E ele anota na agendinha o quarto (con)fuso, sete minutos adiantado.

Pensa o notívago dos relógios ter a chance de, prospectando um pouco melhor, encontrar um relógio cuja coincidência com Brasília faça com que o mesmo ganhe o pomposo título de "mais pontual desta terra". Segue a jornada. Contornada a avenida Centenário, o GPS conduz o sujeito à rua Rui Barbosa. A percorre até o último palmo, e ali encontra uma praça, a Nereu Ramos. Há táxis estacionados, a madrugada é impiedosa, gelada como só, varre as ruas. Ninguém as percorre, e os taxistas cochilam. Com razão, e sem horas. É que ali, diante deles, e de uma das centenas de filiais das velhas Pernambucanas - o sujeito recorda-se do antigo jingle do frio que batia à porta, pérola das Pernambucanas no rádio imbatível de sempre -, e ali, defronte à loja, há um relógio. Desligado. Nem fuso horário há ali, naquela praça congelante, esvaziada, iluminada porém carente de vida. Até o relógio adormeceu.

Bem, o intrépido vagante da madrugada percorre pequeno trecho da bonita Pedro Benedet, dobra à esquerda na esburacada Engenheiro Boa Nova - o sujeito nem sabe, mas quem toma cafezinho ali pela Pão Kente, assim mesmo, com K, comenta a demora das obras da Casan naquela ruela escavada e não consertada -, e alcança a Praça do Congresso. O GPS, com sua voz nasalada e irritante, acusa. Opa, há um relógio ali. Vejamos as horas: 5h03min. Outro (con)fuso horário anotado, afinal, a hora oficial é 4h57min. Mais um fuso, agora de seis minutos positivos. Ninguém mais naquela praça vazia, e um pouco escura, principalmente nas bandas do relógio, a testemunhar a descoberta! Pensou o sujeito - se eu fosse prefeito desta cidade, mandaria iluminar esta praça que parece tão bonita, e bem localizada -, mas ele não sabe que Criciúma poupa lâmpadas pois também tem seus vândalos, cujo esporte preferido, além do crack, é depredar patrimônio público. Não pagam impostos, ou não trabalham para paga-los, certamente...

Mas nosso bravo conferente das horas não desiste. Encontrará o relógio perdido cuja missão de informar a hora certa estará sendo cumprida obstinadamente... Contornou a tal praça do Congresso - porque teria esse nome, pensou o sujeito -, avançou duas quadras por uma rua chamada Lauro Müller e encontrou a esquina com a Getúlio Vargas. Dali, viajou alguns segundos nos pensamentos para três rápidas constatações: toda cidade tem uma rua Getúlio Vargas, toda cidade tem nesta rua um Banco do Brasil, toda cidade tem moças na rua oferecendo "serviços sensuais" nestas horas. Se as moças se guiarem pelo relógio desta esquina, poderão perder dinheiro, pensou o inquieto desbravador das horas... o digital em questão marcava 5h07min. Era a volta do fuso de sete minutos positivos, afinal, Brasília acusava pontualmente 5 da manhã. Não desanimou...

Avançou pela tal Getúlio, vislumbrou um pouco do comércio fechado. As calçadas, bem iluminadas e arborizadas, não eram pisadas por ninguém certamente a alguns minutos. Algumas folhas de árvores faziam a ocupação do trecho, nada muito outonal. O rigor do inverno, 11 graus era a temperatura segundo o mesmo relógio recém verificado, testemunhava o carro que, não muito rápido, venceu aquela quadra e encontrou uma rua que, mesmo muito estreita, permitia conversão à esquerda e direita. Escolheu a direita, o sujeito. Estava certo, sem saber. Passou nos fundos de uma igreja bonita, imponente, branca e que arranhava o céu que ao lado dela testemunhava um descortinar de árvores, da mesma praça cuja face inversa havia a pouco sido conhecida, quando da constatação de que lá perto dos taxistas, e das Pernambucanas - olha a lembrança do frio batendo à porta de novo -, havia um relógio desligado. Devagar, o carro escorregou pela noite daquela rua, chamada Santo Antônio, e encontrou uma esquina. O sujeito, rodado pelo Brasil, identificou uma loja ali da esquina, marca famosa, tem loja até em Belém do Pará e aparece na novela, pensou ele... Permitiu-se estacionar no meio da rua. Esticou o pescoço à esquerda. Viu um relógio. E um sorriso largo abriu-se finalmente no rosto do altivo visitante: o relógio visto assinalava 5h01min. Pontual como só! Britânico como deve ser o relógio de uma praça central, como aquela pela geografia e pela lógica era acusada. Estava feita a descoberta! O relógio central era o mais pontual!

E isso fez o sujeito encerrar a visita noturna. Estava pronto para seguir seu rumo, e carregar na bagagem a sutil e sincera constatação: é no Centro que a hora precisa estar certa. É ali que encontramos com a leveza da alma do encontro com os amigos, e esquecemos que o relógio está no pulso, ou na tela do celular. Pela cidade, ou carreguemos nossa hora certa de bolso e confiável, ou deixemos margem para os fusos, de dois, seis, sete ou até 31 minutos... Aprendi, com esta história, que minha obsessão não é por relógios de rua, é por hora certa! Logo, nunca o externo, a imagem, o aparente, sempre o conteúdo! Ganhei o domingo!

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