quinta-feira, 29 de maio de 2014

Ser guri. E não esquecer que foi.

Minha mãe sempre lembrou que eu nasci à tarde. Eram 14 horas de um domingo. Convenhamos, fui um estraga prazeres da soneca da tarde da certamente pesada dona Glaci, a contar os dias para dar a luz ao seu quarto filho, ela já com seus 35 anos naquele dia 14 de outubro de 1979. Confesso que não lembro no que eu pensava naqueles primeiros meses de vida. E primeiros anos também.

Quando tive noção de mim eu já era um guri sem noção, como qualquer guri, que quebrei o primeiro par de óculos que usei - pisoteei-os criminosamente dentro de um guarda roupas, sei lá por qual razão -, mas um motivo me vem à mente agora: eu já era um tímido crônico, e me exasperava a ideia de usar lentes grossas e, sobre uma delas, a direita (justamente o olho que melhor me agraciava com a visão), ter a vista encoberta por um tampão, forma simpática que o oculista (oftalmologista) encontrou de chamar aquele papelão com fita crepe que encobria a lente do olho bom para forçar o olho meia boca (o esquerdo, fraco até hoje), a abandonar a preguiça e enxergar melhor a vida. Talvez este olho esquerdo, o mesmo que carrego hoje e agora malandramente dorme enquanto o direito trabalha sozinho - assim já faz há 34 anos -, talvez esta preguiça seja herança do parto às duas da tarde de um domingo. Convenhamos...

Sou guri dos tempos em que tirar uma fotografia não era um simples lançar de mão de um celular e fazer centenas de poses, muitas ridículas, para pinçar algumas e delas fazer a memória concreta. Não. No nosso tempo, uma foto era um investimento, um ato de espera para dar à luz a algo que poderia transitar de um borrão a uma belezura qualquer. Geralmente, o borrão. Sina do pobre. Por isso, a primeira foto que existe da minha vida é de um guri de quatro anos de idade assustado, correndo na beira de um riacho que, dizem, ainda existe mesmo passadas três décadas, lá na Vila da Quinta, interior do interior da minha Rio Grande de nascença. Um dos meus irmãos bem quis fotografar minha aventura na única lage da casa, a do teto do banheiro da velha casa da Cristóvão Colombo, na Cidade Nova. Não houve como fotografar. Mas a tinta da memória, implacável, não permite o esquecimento. Como também faz lembrar o dia que fugi da barra da saia da mãe para, ao melhor estilo guri de rua, surrupiar um xis salada de uma simpática família de classe média riograndina. Mas tal aventura meninesca faz parte da próxima reminiscência. Quando? Sabe-se lá...

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