sexta-feira, 15 de maio de 2015

E o baixinho "Pé frio" se foi...

Toda cidade que se preze tem os seus engraxates, pipoqueiros, bebuns, aposentados na praça, taxistas, fanfarrões e, claro, os vendedores de bilhetes de loteria. A função deles já seria naturalmente utópica, afinal vendem um papel impresso, um título ao portador, que estão expostos às pilhas nas casas lotéricas, aparentemente os locais mais indicados para tais aquisições.

Mas os vendedores de bilhetes de loteria são, como as estátuas das praças - mas com natural vida própria -, ou como os personagens acima citados, donos de uma aura de credibilidade digamos, pelo tempo que exercem esta função, pela intimidade com a qual flanam entre os convivas das rodinhas dos centros, dos cafés, dos bancos de praça e das esquinas.

Estava eu em uma dessas rodinhas na segunda-feira, quando o Baixinho "Pé Frio" se aproximou. Nunca soube o nome dele, mas sempre recebia a breve, objetiva oferta de um bilhete. Lembro de apenas uma vez ter comprado. Me arrependo. Tal qual o "bom dia" que não oferecemos quando devíamos, ou o "eu te amo" que adiamos e dali a pouco torna-se tarde para a entrega, eu não comprei o último bilhete que poderia ter comprado do Baixinho.

Hoje ele se foi. Descia a escada rolante do Shopping Della quando um ataque cardíaco fulminante o levou. Quem viu a cena, lamentou. Pelo esparramar dos bilhetes no chão, pela certeza de que dali por diante um personagem digno de folclore a menos circularia pelo Centro. É a perda desses personagens que deixa mais pobre o cenário burlesco, ou melhor, o cenário vivo de uma cidade. O Baixinho partiu. Com o bilhete que eu devia ter comprado na mão. Certa vez, rico empresário da cidade ficou ainda mais rico, ganhando 20 milhões de cruzeiros de um bilhete vendido pelo Baixinho "Pé Frio" que, amargurado, sempre lembrou que nunca recebeu qualquer comissão do felizardo. Se foi o Baixinho.

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